Consegui finalmente visitar o Couto Misto, e que experiência, a viagem atribulada para chegar até lá (sem gps ou mapa de Espanha) deixou-me com pouco tempo e tive de limitar a visita a Santiago de Rubiás, encontrei facilmente a Igreja “sede” daquela que parece ser a primeira republica democrática da Europa, infelizmente com tudo fechado e sem qualquer pessoa nesta aldeia quase deserta, achei que a minha viagem seria pouco mais que isto, estar ali e poder fotografar o local.
Enquanto fotografava ouvi vozes na “Casa do Pobo” que fica ao lado da igreja e resolvi bater à porta, qual o meu espanto quando a porta é aberta e dou de caras com esse amor de pessoa que é a Dona Victoria Rodriguez, que eu já tinha visto várias vezes nos vídeos sobre o Couto Misto, que estive a “estudar” antes, a situação ficou meio caricata, pois deviam de estar umas 10 senhoras idosas a “exercitar-se” deitadas no chão em colchões de uma aula de ginástica, que eu rudemente interrompi, e como se isso não bastasse, ainda cumprimentei a Dona Victória com uma cara de espanto e com as palavras ”Hola! Eu conheço a senhora!” “Mas donde me coneces tu?!” respondeu ela.
Lá tive que explicar rapidamente entre pedidos de desculpa às senhoras da ginástica o que ali me levava, e de que a conhecia dos vídeos da associação de vizinhos do couto misto, a senhora ficou tão surpreendida e emocionada por alguém ter escutado as palavras dela, pois lembrava-se da entrevista mas nunca mais ninguém falou com ela e nem uma cópia lhe deram, então como eu tinha levado o portátil comigo, mostrei-lhe a entrevista e elogiei o como bonita ela ficou e como foram inspiradoras as palavras dela para esta minha visita, a felicidade da senhora ao ver-se pela primeira vez no video (e ao marido que também participou) foi comovente.
https://www.youtube.com/watch?v=s4x_gQt ... URxrABl_kBCom uma simpatia infindável, explicou que a igreja só é aberta nas actividades relativas ao Couto Misto ou nas festividades religiosas locais, mas que alguém que tinha ido lá de propósito desde o Porto não podia vir embora sem a visitar, e de imediato se prontificou para ir procurar outra senhora na aldeia que tinha a chave da igreja, passado uns 15 minutos voltou com a dita senhora e a partir daí a conversa oscilou entre a paixão da Dona Victória pelo assunto e o desinteresse e quase desconhecimento da outra senhora (que imperdoávelmente esqueci o nome) e que reflete o desinteresse das gerações mais novas por algo que para eles é tão banal que não tem qualquer interesse.
Foi algo de inesquecível a “visita guiada” que me fizeram à igreja e a toda a sua mística envolvente, o acesso “secreto” à igreja ancestral por trás do altar da igreja actual (construída posteriormente na frente da original), poder observar a Arca das 3 chaves que é na verdade a original reconstruída parcialmente e não uma cópia como pensei, onde se pode ver a madeira e cravos centenários e a madeira recente, ver os magníficos frescos medievais e as interessantes pinturas nas paredes que até à muito pouco tempo se encontravam totalmente cobertos por uma camada de cal.
Explicaram-me que o parlamento deste micro-estado era no exterior, onde ainda hoje se encontra a estátua do “ultimo juiz”, que todas as decisões tinham de ser tomadas em acordo pelos representantes das 3 aldeias, e guardadas de forma sagrada no cofre, as diversas histórias de fugitivos, criminosos, contrabandistas que se refugiavam aqui, como ainda várias pessoas não se identificam como espanholas ou portuguesas, como funcionava o caminho priveligiado, as marcas de supostas “execuções” gravadas na igreja, tudo isto explicado pacientemente pelas duas senhoras.
Ainda estivemos algum tempo a conversar sobre as lendas e monumentos que rodeiam este local fantástico, e partilhei com elas o meu sonho de criar um “tesourinho” (multi) que obrigasse os visitantes a percorrer as 3 aldeias para descobrir as 3 condições necessárias para descobrir o dito tesourinho. Elas ficaram maravilhadas com a ideia perante o esquecimento com que vivem aqui onde nem um café existe ( o mais próximo que encontrem foi em Portugal – Tourém) a ideia de visitas de turistas interessados na história fascinante deste local foi de um agrado enorme para elas.
Infelizmente tive de me despedir apressadamente quando vi que tinha uma viagem de mais de três horas pela frente para regressar ao parque e sem GPS não queria arriscar a fazê-lo de noite.
Voltei com o coração cheio, por tudo que partilhei, pela alegria que sinto que dei à Dona Victória quando percebeu que a voz dela tinha chegado para lá da fronteira, com o carinho interminável com que me receberam, e com a humildade de quem com tão pouco consegue dar tanto.
Espero poder voltar mas sei que com a vida que tenho vou demorar, até lá... bem hajam “Mixtos”.