"Na semana passada, enquanto viajava, parei numa loja de brinquedos e vi que tinham um dirigivel telecomandado à venda. Chamava-se Airship Earth, e era composto por um enorme balão com um mapa terrestre estampado nele e duas helices por baixo. A ideia era encher o balão com hélio, colocar pilhas e no fim tinha-se um dirigivel telecomandado para usar dentro de casa.
Já tinha visto estas coisas à venda por $60-$75. Naquela loja estava em liquidação por $15. Que pechincha!
A noite passada, a minha mulher tinha ido jogar ténis, e eramos apenas eu e a minha filha em casa. Comprei uma pequena botija de hélio numa loja de artigos para festas, e montámos o dirigivel ontem à noite.
Deixem-me dizer-vos que é um dirigivel e pêras. É enorme, com quase um metro de diâmetro.
Enchemos então o balão com hélio, colocámos a gôndola com as hélices por baixo e colocámos-lhe pilhas.
Por fim, usámos balastro para equilibrar o dirigivel de modo a que ele se mantivesse estável no ar, sem subir nem descer.
Foi fácil e divertido. Enchi então outro balão com hélio para inalar e fazer vozes de Mickey para a minha filha.
Ela, com três anos, adorou. Voámos com o dirigivel por toda a casa, aterrorizámos o cão, atacámos o aquário e os controlos eram tão simples que até a minha filha pôde usar.
Sejamos honestos, os dirigiveis são divertidos.
Mas eventualmente a diversão tinha de acabar e a minha filha teve de ir dormir. Deixei o dirigivel a flutuar no meu escritório no rés-do-chão, a minha mulher chegou a casa, e fomos para a cama, dormir o sono dos justos.
Neste ponto é importante salientar que a minha casa tem aquecimento central. Tenho-o configurado de forma a que o ar quente seja expelido no andar térreo e sugado no andar superior para tirar proveito do facto de o ar quente subir.
O dirigivel, que até aqui era meramente um brinquedo divertido, tomara agora uma carreira sinistra. Usando a deslocação de ar artificial do nosso aquecimento central, o dirigivel vagarosamente saiu do meu escritório. Moveu-se silenciosamente através da sala de estar e dirigiu-se para a escada. Como uma aparição fantasmagórica subiu as escadas e entrou no quarto onde eu e a minha mulher dormiamos profundamente.
Em silêncio, e a metro e meio acima do chão, empurrado por pequenas e invisiveis correntes de ar, aproximou-se da cama.
Apesar da sua movimentação silênciosa - ou talvez por causa disso mesmo - acordei. Bem, esta não é a forma correcta de dizer as coisas. Deixem-me tentar de novo.
Acordei, da maneira que se acorda às 2 da manhã quando o nosso sexto sentido nos diz, sem qualquer razão aparente, que as forças do mal se aproximam de nós.
Não, ainda não me estou a explicar bem. Deixem-me tentar mais uma vez.
Acordei da forma que se acorda quando se sabe que está uma presença grande e flutuante a levitar em nossa direcção ameaçadoramente através da escuridão maligna.
Por vezes eu acordo a meio da noite a pensar que existe alguma coisa sinistra e ameaçadora na escuridão da noite com a intenção de fazer mal a mim e à minha familia. Normalmente, nessa situação, eu abro os olhos, escuto cuidadosamente, chego à conclusão que é falso alarme, e volto a dormir.
Portanto, foi assim que acordei, mas não estava tudo na mesma.
Desta vez, acordei com a sensação de que estava uma presença grande e ameaçadora a aproximar-se de mim através da escuridão, portanto abri os olhos e lá estava ela! UMA PRESENÇA GRANDE E AMEAÇADORA A APROXIMAR-SE DE MIM ATRAVÉS DA ESCURIDÃO, E A VOAR!!!
Algures no centro de controlo do meu cérebro lá estava um pequeno duende gordo fardado, a ler uma revista enquanto fumava um charuto e os pés em cima da secretária, enquanto passava os olhos por uma série de monitores de segurança pelo canto do olho. De repente ele vê a PRESENÇA GRANDE SINISTRA SILÊNCIOSA FLUTUANTE E AMEAÇADORA a vir em minha direcção, e carrega em todos os botões vermelhos de alarme que o meu corpo tem. Uma decada inteira de adrenalina é de súbito largada na minha circulação sanguinea de uma só vez. O meu metabolismo passou do "modo de sono reparador" para o modo "CUM CARAÇAS! LUTA PELA TUA VIDA OU MORRE!!!!" num nanosegundo. O meu coração foi de vinte e poucas batidas por minuto para 240 ou mais.
Eu sempre soube que isto um dia iria acontecer. Eu sempre soube que o cepticismo e a ciência eram apenas meras decorações psicológicas. Lá no fundo do nosso cérebro reptiliano todos nós sabemos que o mundo está cheio de monstros malévolos e forças sinistras, todos a conjurarem contra nós, e é apenas uma questão de tempo até que elas apareçam. A evolução também sabe disso. Ela sabe o que fazer quando o terror silêncioso nos aparece à frente vindo do escuro.
Quando 50 milhões de anos de instinto de sobrevivência evolutivo nos atinge com força no estômago a 200km/h, não é uma sensação agradável.
Imediatamente lancei o meu grito de guerra (que não é diferente do som que uma menininha faz quando alguém coloca uma aranha no seu vestido - não é que eu saiba que som é esse) e saltei da cama em cuecas.
Ataquei a ameaça que se aproximava com toda a minha força e quase caí com a total falta de resistência que um balão de hélio oferece quando se lhe dá um murro com a força que se consegue reunir quando se acorda aterrorizado a meio da noite.
A sua trajectória empurrou-o em direcção à ventoinha no tecto que o empurrou pelo quarto a uma velocidade tremenda.
À procura de uma arma, peguei no relógio despertador, arranquei-o da tomada e atirei-o à Presença Ameaçadora Agora em Alta Velocidade (partindo o relógio e deixando um lindo buraco na parede).
De alguma forma nesse momento apercebi-me de que estava a lutar contra o dirigivel e não com um monstro. Poderia até ter sido engraçado, se eu não estivesse com a nitida sensação de que estava a ter um ataque cardiaco genuino.
Com passos vacilantes, fui para a casa de banho e literalmente gaguejei para dentro da sanita enquanto tremia descontroladamente com o choque da reacção que tinha tido.
Inacreditávelmente, tanto a minha mulher como a minha filha dormiram durante todo o incidente. Quando cheguei à conclusão que afinal de contas não estava a ter um ataque cardiaco, voltei para o quarto e encontrei o dirigivel que, de alguma forma, tinha sobrevivido ao incidente.
Levei-o para dentro do quarto de vestir e libertei-o aí onde flutuou livremente com as correntes de ar libertadas pelas condutas do aquecimento central. Fechei a porta com o dirigivel lá dentro e voltei para a cama. Cerca de 500 anos depois voltei a adormecer.
***
Por volta das 7 da manhã a minha mulher acordou. Ela tinha estado durante o dia anterior todo a jogar ténis, por isso não estava a par do facto de que tinhamos estado a montar um dirigivel na noite anterior, e de que ele estava naquele momento a flutuar dentro do quarto de vestir para onde ela se dirigiu.
A dinâmica entre as correntes de ar existentes dentro do quarto de vestir e a sucção criada pela abertura da porta foi suficiente para dar ao dirigivel o aspecto de uma Ameaça Maligna e Sinistra a voar na sua direcção.
Desta vez o dirigivel não sobreviveu ao encontro, e eu quase que também não, já que tive de explicar à minha esposa extremamente zangada o que foi que me levou a esconder uma Presença Maligna e Sorrateira no quarto de vestir para ela encontrar às 7 da manhã.
Posso encomendar balões de substituição para o dirigivel pela internet, mas não me parece.
Alguns dirigiveis estão melhor mortos."